24 de nov. de 2009

Personagens Amazônicas

Boa tarde!

Hoje a sessão "Personagens Amazônicas" traz o perfil de Ivanildo. Um senhor com mais de 70 anos, que relembra de bons e maus momentos vividos. O trabalho acadêmico foi confeccionado pela discente Divania Rodrigues, para atender a disciplina Fotojornalismo II, ministrada pela Professora Doutora Elisabeth Kimie Kitamura em 2008. Boa leitura e até a próxima.


O que passou...

Apesar de 74 anos e cabelos totalmente brancos, a expressão lúcida e o corpo rijo e forte desmentem a idade. “Ainda ando a cidade inteirinha de bicicleta”, conta, orgulhoso de sua independência. Ivanildo Benedito Rodrigues vive sozinho desde a morte do pai em 1998 de quem cuidava após a perda da mãe, em 1991. Nunca se casou e hoje mora em uma casinha no fim do bairro Cristo Rei. “Quem mora do lado de cá [da BR] não tem vez”, desabafa com desgosto, referindo-se ao bairro em que mora.

Quando chego a casa está toda fechada. Me aproximo e ouço uma voz narrando um jogo de futebol. Chamo. Benção tio, como vai? “Vou levando, empurrando”, diz, vindo lá de dentro. Um short e um chinelo velho que não se arrasta no chão. A barriga passando por cima da cinta. Uns óculos por trás do qual vejo seus olhos. Um que olha fixamente: imóvel, de vidro. O outro que tenta compensar, movendo-se e prestando atenção o tempo todo.

A conversa gira em torno de bananas, e o quanto estão caras, todo o tipo delas. “Não gosto de bananas. Não como desde que vim da fazenda”. Conto-lhe então o que venho fazer ali. E a resposta é rápida: “O passado é pra ficar no passado. Quase que já sofri um pouquim nessa vida. Não gosto nem de lembrar”.

A casa de madeira, mal pintada com tinta à base d’água, consta de uma sala-cozinha divida por um armário antigo. No fim da cozinha há um banheiro de tijolos, criando lodo no reboco por causa da umidade constante por muito tempo. Tem dois quartos: um em que se passa pela sala, de frente para rua, e o outro pela cozinha.

A sala tem dois sofás com o forro todo remendado e uma TV de 20 polegadas colorida que fica em cima de uma espécie de cofre em madeira. Na cozinha, uma geladeira amarela, muito antiga, rebocada de esmalte vermelho para parar a corrosão da ferrugem. Um fogão, daqueles que nem devem ser mais fabricados, esmaltado e com partes vermelhas. Alguns armários, pia com muita louça, camisas e cintos em cima das portas. No quarto dos fundos, que pertencia a seu pai, muitas coisas antigas, empilhadas, muita poeira. No quarto da frente um pouco menos de bagunça, mas ainda assim poeira nos móveis.

As fotos da família estão guardadas no “cofre de madeira”. Começamos a olhá-las. No início risos, brilho no olho. “As terras do meu avô davam um município que nem esse. Fazia muitas travessuras”. Muitas? Conta uma. “O pai fazia umas cangas de boi em miniatura, daí eu colocava nos pintinhos e amarrava uns sabugos [de milho] pra eles carregar. Tudo no escondido. Um dia a mamãe descobriu e ó...” (fazendo com a mão o sinal de surra, aquele em se movimenta a mão para baixo rapidamente fazendo estralar o dedo indicador, e rindo muito).

Mas, dentre as travessuras que cometeu, uma o marcou para sempre. Quem conta é o irmão mais novo, Diorandes José. “Ele deveria ter uns seis anos e eu nem era nascido, ele tava descascando uma laranja com um canivete, daí não sei o que aconteceu e o canivete foi dentro do olho dele. Não teve jeito mesmo. Depois de muito tempo ele colocou o vidro no lugar. Ele não vê nada de um olho, e do outro precisa de óculos”.

De bicicleta a vida se desenrola...

Roubaram mesmo a casa do primo, tio? “Pra você vê, os ladrões tão em toda a parte e até lá no centro tem roubo. Mas aqui é que é feio. Nem ando saindo mais de casa, muito. Só saio quando é preciso, pra ir na farmácia, na caixa [Caixa Econômica Federal]. E quando vou na caixa deixo a bicicleta em frente a farmácia Central. A caixa é um chamariz para ladrão, o que roubam de bicicleta ali não tá escrito, mas na cidade também anda dimais. Sempre ouço no rádio, é cinco, seis por dia. Isso é o que dão queixa na polícia, fora as outras”. Mas as voltas que o tio dá são só para ir a esses lugares? “Não às vezes vô fazê compra...”, tento completar: no médico... “Não! Esses médico daqui não vale nada”, esbraveja, descrente.
Rotina de bicicleta, que ele até se esqueceu de mencionar, é levar e buscar a filha da vizinha na crechê. A moça trabalha e não tem como estar nos horários certos em casa para se encarregar dessa tarefa. Pediu ao meu tio que fizesse isso por ela. Ele então todos os dias, com sua bicicleta, leva e traz a menina da creche para casa.
A conversa continua. “Mas de vez em quando saio só para passear. No Natal do ano trasado (passado) eu fui sozinho lá no setor industrial. Uns parentes da vizinha aqui me convidaram para passar o dia lá. Queriam vir me buscar de moto. Mas, eu hein! Falei: nada! Vou de bicicleta mesmo, que daí vô a hora que quero e volto a hora que quero sem atrapalhar ninguém. Cheguei lá, fiquei um tempo, tomei umas duas cervejinhas. Aí falei que ia vir embora. O pessoal nem acreditou quando muntei na bicicleta e vim. Acharam que eu ia cair. Nunca caí ou sofri um acidente de trânsito que eu provoquei”.
Mas esses tempos atrás foi atropelado por uma moto? “Não gosto nem de lembrar. Achei que ia morrer. Eu fui fazer um favor para a vizinha lá no Centro. Daí quando tava voltando pela Melvin uma mulher de moto foi me ultrapassar pela direita. Não sei o que ela queria, daí um guidon engarranchou no outro e eu caí, de costas. Fiquei um tempão no chão, sem poder levantar ou falar nada. Ela parou, me perguntou se tinha machucado e logo depois foi embora porque eu não falei nada, mas eu não tinha nem um ralado. Daí um senhor da igreja da Maria Helena, que mora aqui perto, me ajudou a levantar e disse que tinha anotado o número da placa dela no celular. Mas, fazê o que, eu não tinha nenhum ralado para ir no CESP (Hospital Regional) e ir na polícia dá queixa. Cheguei em casa todo cheio de lama e com muita dor”. Lama? “É na Melvin o que tem é lama, pelo menos onde eu ando que é bem perto do meio fio, não ando no meio da rua como os outros fazem, é errado. É o que sobra da rua para os bicicleteiros: é a lama. Ando no máximo uns 70 centímetros afastado do meio fio”.
O tio não foi ao hospital? “Não! Fica pior lá. No dia não tinha forças pra nada. O marido da vizinha veio aqui no meio da tarde, conversamos, mas ele não foi buscar remédio pra mim. Eu não tinha nem coragem de levantar da cama naquele dia. Só no outro dia é que juntei força pra ir na farmácia”. Ainda bem que tudo passou”.

Obs: Esse é um trabalho acadêmico produzido em 2008 e não remete totalmente a realidade atual. Se for utilizar favor citar a fonte e a autoria.


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