28 de nov. de 2009

Sessão Produções

Boa Tarde!

A busca por um livro dá início a uma aventura pelo mundo das palavras, das páginas e de outras coisas que se podem encontram em uma biblioteca interditada. Esse reportagem foi escrita por Dennis Weber para a disciplina Redação e Expressão Oral II, ministrada pelo Professor Sandro Colferai, em 2008. Boa leitura e boa descoberta.


Pó, lama e teias de aranha


(Por: Dennis Weber)



Preparo-me para iniciar um trabalho da faculdade, quando Andréia chega toda esbaforida em meu apartamento.
__Troca de roupa rápido, pega a sua câmera e vamos até a biblioteca! O guarda está lá e disse pra gente ir depressa, pois ele tem que ir pra um curso às sete e meia. – ordena arfando a recém-chegada.
Sem hesitar, troco de roupa, desplugo a câmera do carregador, coloco-a numa maltratada bolsa e saio para fotografar o objeto de minha reportagem.
__Vamos depressa, meu filho! Só temos quarenta minutos pra achá-lo. – vocifera Andréia que dá passos longos e precisos.
__Mas o guarda não fica lá durante a noite toda? – pergunto confuso para Andréia.
__Ele chega lá ás seis horas da tarde. Ás sete ele vai para um curso. Quando são dez horas, ele volta pra biblioteca.
Duas quadras separam a minha casa da biblioteca, distância que Andréia e eu percorremos em menos de cinco minutos.
A única biblioteca pública de Vilhena está encravada na Praça Nossa Senhora Aparecida há dezenove anos. Depois de quase duas décadas, passa por uma reforma que já dura mais de um ano. Muitas coisas mudaram por ali, a começar pela rústica placa de madeira que apresenta o local: está virada para o interior da biblioteca, como se dissesse que não quer ser incomodada. Que pena! Terei que entrar em suas dependências para procurar algo valiosíssimo.
Antes de contar como se encontra o local hoje é preciso retornar, mais ou menos, um ano e meio no tempo e descrever como era aquele ambiente antes do início da reforma.

Era uma vez...

A Biblioteca Pública Municipal Monteiro Lobato funcionava em ritmo acelerado das sete da manhã às dez da noite. Cerca de 300 pessoas visitavam o local diariamente. Lá elas passeavam por entre as estantes abarrotadas de obras. Além de uma grande quantia de livros, o acervo também era composto por revistas nacionais e jornais locais que, ao contrário de muitos livros, não podiam ser emprestados.
Após encontrar algo interessante, os transeuntes retiravam os livros das estantes, e iam se acomodar na sala de estudos. Nesse ambiente o silêncio era algo sagrado. Tanto que nas paredes estavam fixados cartazes do tipo: “Se você tem educação mantenha-se em silêncio”. Mas era quase impossível manter-se quieto naquele lugar. Também pudera: em um ambiente repleto de palavras era impossível mantê-las somente nos livros. É aí que entrava em ação um funcionário da biblioteca, que levantava de seu posto, ia até o foco de intenso ti-ti-ti e soltava um ruidoso “chiiii”, apontando para um dos lembretes nas paredes. Era o suficiente para manter os tagarelas quietos por uns 10 minutos.
Existia um grande quadro do escritor que teve seu nome utilizado para nomear esse lugar. Em uma tela pintada com tinta a óleo, colocada em um espaço privilegiado, se destacava o inconfundível bigode de Monteiro Lobato, acompanhado de um curioso Visconde de Sabugosa e uma torre de petróleo ao fundo. Também havia outras telas, dentre elas o retrato de um alvíssimo Machado de Assis, algo estranho sendo ele mulato.

Ecos do passado

Voltando para a noite em que vamos procurar a relíquia, vejo três cruzes por cima do telhado da biblioteca. Essa cena estranha me faz viajar. Gritos do passado ressoam em minha mente e me conduzem para uma época em que eu não havia presenciado, mas que se repete nesse momento. Um tempo em que o saber era negado à população.
Imagens rodopiam em meu cérebro e me levam até a Idade Média, mais precisamente até o interior de um mosteiro na Europa. Um lugar úmido e sombrio onde o conhecimento era multiplicado por pacientes homens que dedicavam a sua vida a transcrever palavras. O trabalho era lento. Se errassem uma palavra sequer, deveriam recomeçar a transcrição da obra. Porém esse conhecimento era restrito a uma pequena parcela da sociedade. Havia uma enorme repressão por parte da Igreja Católica. Escritos eram censurados e até mesmo incinerados para que a população não tivesse acesso ao conhecimento. Mas antes de fumegar aqueles profanos saberes, eram feitas cópias, que seriam armazenadas secretamente no interior dos mosteiros.
Alguns séculos à frente, a situação se repete. O ano é 2008. O local é a pacata cidade de Vilhena. O conhecimento está armazenado em uma sala e não pode ser compartilhado com a população. Dessa vez, o que impede a democratização do saber não é a Igreja Católica, por mais que essa, ironicamente, se situe em frente à Biblioteca Municipal.
Sou chamado à realidade com um cutucão nas costelas. Meus olhos que estão fixos nas três cruzes voltam-se para a impaciente Andréia.
__O que você tá olhando? Anda logo, que o guarda tá esperando a gente entrar para fechar a porta.
É, realmente o saber está trancafiado em uma sala e só algumas pessoas podem ter acesso àquela infinidade de palavras. Idêntico ao que acontecia na Idade Média. Das sessenta e sete mil cabeças pensantes espalhadas pelos quatro cantos de Vilhena, só três pessoas, neste momento, podem ter acesso a mais de vinte mil obras.

Mudanças

Nos apresentamos ao senhor que vigia o local que de cara impõe uma condição:
__Vocês vão ter que ser rápidos por que daqui a pouco eu tenho que sair.
Concordamos balançando as cabeças e entramos no local onde antes funcionava a sala de leitura.
Tudo mudou. O ambiente está praticamente irreconhecível. O local que antes era ocupado por mesas e cadeiras agora se transformou em um grande salão empoeirado. No chão há algumas telhas que sobraram da nova cobertura. Os cartazes e os quadros foram retidos da parede. Faltam alguns vidros nas janelas. Não existe forro. Em seu lugar são visíveis as vigas que sustentam o novo telhado e uma grande quantidade de teias de aranha. Uma réstia de luz vinda da rua clareia o grande salão.
Caminhamos um pouco mais adiante e adentramos onde antigamente se enfileiravam as estantes. Um pouco mais escura que a outra sala, essa está tomada por uma pequena inundação. A água se mistura com a poeira no chão e forma uma lama, que tentamos desviar. Mais tarde, descobrirei que um dos motivos pelo atraso da entrega da obra foi a falta de recursos para trocar a parte elétrica e hidráulica do local, que não estavam inclusos no projeto original. A princípio só iriam trocar o telhado e o forro e pintar as paredes, mas como a estrutura era antiga, outros problemas surgiram após o início das obras. Dos R$ 42.100,00 iniciais, o valor da obra saltou para R$ 77.000,00. Os 120 dias de prazo para a entrega da obra se multiplicam. Viram 240 depois 360 e quem sabe 480. A obra já está parada há 6 meses.
Paramos em frente a uma grande porta de vidro. O vigia gira a chave abrindo passagem para a nossa busca. Entramos naquele novo ambiente. O ar recende a papel e poeira. São cento e treze metros quadrados a mais para a biblioteca. Ali futuramente será instalado o Telecentro com 20 computadores ligados à internet, para que os usuários tenham outros meios para realizarem as pesquisas. Enfim, encontramos os livros. Ácaros nos esperam para irritar nossos narizes. Precisamos procurar um livro com mais de cem anos. Ele trata da viagem que Marechal Cândido Rondon fez instalando os postos telegráficos, comunicando o Norte ao restante do país. Não sabemos o nome do autor e nem o nome da obra.
Tudo começou quando Andréia e eu fomos entrevistar o diretor da biblioteca, Guilherme Naré. Ao indagar qual era o livro mais antigo da biblioteca ele informou: “Temos um livro da época do Marechal Cândido Rondon, do ano de 1907.” Foi o suficiente para aguçar minha curiosidade e me fazer querer entrar lá a qualquer custo. Quando perguntei qual era o aspecto do livro, ele disse: “Está bem frágil. As folhas estão quase se soltando. Então não é pra qualquer um que emprestamos. Para crianças nós não emprestamos”. Perguntei também se a obra estava em algum local separado e Guilherme contou que o livro estava com os demais livros de História.
Conseguir entrar na biblioteca foi uma proeza e tanto. Foram necessárias várias investidas até conseguir encontrar alguém no local. Sempre dava uma passadinha em frente e nunca via ninguém lá. Como iria encontrar aquela obra tão preciosa? Ainda bem que minha amiga Andréia conhece quase todo mundo na cidade. Ela disse que conhecia o vigia e que poderíamos ir até a casa dele para pedir que abrisse a biblioteca para nós. E foi isso o que fizemos. Fomos até a casa do vigia, que não estava lá, e deixamos um recado com uma vizinha. Parece que deu certo, pois hoje estamos aqui dentro tentando achar o livro. Retiro a câmera da bolsa e começo a tirar fotos.

O novo e o velho

Essa nova parte da biblioteca onde será instalado o Telecentro é totalmente diferente das outras duas. Aqui há iluminação adequada, que se propaga pelo forro branco de PVC. CLICK! Não existem inundações e todas as janelas têm vidros, que estão devidamente lacrados. Mas se você pensa que tudo está organizado, se engana. A bagunça impera no local. CLICK! Em um canto estão empilhadas as cadeiras que faziam parte da sala de leitura.
As estantes de livros estão desordenadas. CLICK! Muitos livros, por falta de estantes, estão em cima de balcões ou de mesas. Estão empilhados ao lado de inúmeras revistas. Imagine onde eles irão colocar mais quatro mil livros que receberam da Funarte (Fundação Nacional de Arte). CLICK! Uma das janelas antigas foi colocada entre uma mesa e um balcão. CLICK! Em um canto há um globo terrestre, amarelado e com alguns países a menos do que atualmente. CLICK! A máquina de escrever Olivetti, escondida atrás de uma pilha de livros, está coberta por uma camada de poeira. CLICK!
O retrato de Monteiro Lobato, agora está no chão escorado em uma das estantes. Perto dele também está o Machado de Assis branco e outras telas cheias de pó. CLICK! Isso parece tudo, menos uma biblioteca. Na verdade, parece somente um depósito mal cuidado. Vai ser difícil encontrar o livro, mas irei tentar. Largo a câmera em cima de uma mesa.

Marechal escondido

Andréia vai para um longo e estreito corredor, enquanto eu me enfio em outro. Como combinado, quando um achar a estante de livros de História chama o outro. Começo pelas estantes encostadas na parede. Visualizo vários títulos, mas nenhum é de História. Passo os dedos nas capas de grossos livros. Como seria a capa daquele livro?
À medida que avanço pelo corredor, o ar vai ficando cada vez mais denso. Sinto cheiro de papel em decomposição. Coço o nariz. Dá uma vontade louca de espirrar. Atchimmm! A claridade proporcionada pelas lâmpadas fluorescentes vai sumindo e fica um pouco difícil visualizar os títulos dos livros. Começo a suar. Passo a mão pela testa. Bem que aqui poderia ter ar condicionado, não só pelo calor que faz, mas também pela conservação dos livros. Imagine quantas obras já foram descartadas pela falta de uma climatização adequada? No entanto, parece que não se importaram com esse detalhe. Espero que aquilo que eu esteja procurando não tenha levado um fim trágico.
Chego perto das estantes de Literatura Estrangeira. Observo títulos e autores e encontro uma grande quantia de livros da escritora Agatha Cristhie. Lembro-me da entrevista com o diretor e da informação de que um dos autores estrangeiros mais lidos era justamente Agatha. Um livro dela em especial me chama atenção “Um corpo na biblioteca”. Sinto um arrepio e olho para trás. Nada. Só uma imensidão de livros. Mas a pouca iluminação somada ao cheiro de papel velho, me deixam com medo. Olho para os lados com a sensação de que alguém está me observando. De repente, vejo um par de cintilantes olhos que me observam. Tremo da cabeça aos pés. Ouço um folhear de páginas e passos.
__O que você está olhando? – pergunta Andréia.
__Nada, não! Levei um susto! Só isso.
__Sai daí e vem já pra cá! Encontrei a parte de História!
Vou até onde está Andréia e começamos a procurar pelo livro. Retiro um livro grosso e velho. Sua capa é marrom e algumas das páginas estão rasgadas. Não, não é esse. Andréia segue os mesmos passos que eu. E assim revistamos todos os livros das estantes de História. São tantas obras. Umas mais velhas do que as outras. Sei que será quase impossível encontrar um livro sem saber o seu nome e do seu escritor.

Raridades

Encontro um livro de 1927. Não perco tempo e vou até onde está a minha câmera. CLICK! Tiro fotos das páginas amareladas e manchadas de “Brasil Colônia e Brasil Império” de Austricliano de Carvalho. Coloco a obra em seu devido lugar. Sei que quando retiro um livro da prateleira não devo colocá-lo de volta, mas mesmo assim acomodo-o no lugar onde estava. Vejo outros livros tão antigos quanto este. Verdadeiras raridades que correm o risco de desaparecerem.
Confiro as horas no celular. Faltam apenas cinco minutos para o vigia ir para o tal curso. Andréia lê atenciosamente um livro de Nelson Rodrigues. Viro para outras estantes e vejo “Dom Casmurro”. Machado de Assis era um dos autores brasileiros mais lidos dessa biblioteca. Sinto uma angústia, por não ter conseguido encontrar o livro sobre o Marechal Rondon. Olho todos os títulos referentes à História por mais uma vez, tentando encontrar algum que eu não tenha visto. Nada.
Nosso tempo acaba. O vigia se levanta. Saímos dos corredores e nos encaminhamos para a porta de vidro. Olho para aqueles livros que estão fora da estante. Será que o livro está ali? Não tenho mais tempo. Atravesso a porta que havia entrado com uma sensação de derrota. Passo pela placa virada. Andréia vem um pouco atrás. Espero ela se aproximar.
__A gente tentou! – conclui Andréia.
__É. Mas eu não consegui achar o livro.
__Com uma bagunça daquela seria um milagre se você achasse.
Sei que não poderei entrar de novo. Foi apenas uma noite. Eu ainda tive a sorte de ficar ali por menos de uma hora, mas outras pessoas já estão a mais de um ano sem poder freqüentar e utilizar os serviços da biblioteca. Pessoas que não tem condições de ir a uma lan house para fazer uma pesquisa e se vêem obrigadas a se espremer nas escassas bibliotecas escolares.

Um mundo fechado

“Um país se faz com homens e livros”. Essa célebre frase foi proferida por um dos maiores escritores da literatura brasileira, Monteiro Lobato. Pena que essas palavras não estão sendo aplicadas em Vilhena. Há homens. Há livros. Mas o elo que liga esses dois pólos está fechado. Nesse momento Cinderela, Emília, Capitu, Iracema, Tom Sawyer, Sherlock Holmes, Nero, Napoleão, Dom Pedro I, Zumbi estão aprisionados em uma sala. Eles esperam nas milhões de páginas para retornar a vida. Marechal Cândido Rondon também espera voltar.
Você deve estar se perguntando “Porque ele se deu ao trabalho de ir procurar um livro tão velho?” A resposta é bem simples. Se um livro viveu por cem anos nas condições pouco favoráveis em que se encontravam as outras obras da biblioteca, é por que definitivamente ele tem alguma história para contar. Uma obra como essa não deveria estar exposta a tantos perigos. Deveria ser mantida em local devidamente climatizado e seguro. Mostrada como prova da resistência do conhecimento em um país de poucos leitores.
Reza a lenda que as bibliotecas seriam a metáfora da Fênix, que segundo a tradição egípcia era uma ave fabulosa que durava muitos séculos e, quando queimada, renascia das próprias cinzas. A Biblioteca Pùblica Municipal Monteiro Lobato, encontra-se adormecida em meio a uma espessa camada de pó. Enquanto isso, os alunos da professora de Língua Portuguesa e Redação, Lourdes Benassi, da Escola Álvares de Azevedo, realizam os seus trabalhos com o auxílio da Internet. A quantidade de informações é imensa, mas os alunos não sabem selecioná-las. Eles apenas copiam e colam trechos de um site. Perdem o costume de ler o que estão pesquisando. Perdem a noção de como fazer um resumo. Entregam trabalhos que fogem dos temas solicitados. Diante dessa e de incontáveis situações parecidas será que essa gigante ave do conhecimento chacoalhará a poeira incrustada nas suas mais de vinte mil penas e ressurgirá como a principal arma na busca do saber de qualidade?


Obs: Esse é um trabalho acadêmico produzido em 2008 e não remete totalmente a realidade atual. Se for utilizar favor citar a fonte e a autoria.

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